Talento Maximo

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Texto de Caio Vilela

(Reportagem publicada originalmente na Go Outside de fevereiro de 2012)

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VOCÊ PROVAVELMENTE NUNCA OUVIU FALAR de Maximo Kausch — a menos que faça parte do seleto grupo de alpinistas brasileiros que curtem desbravar montanhas por puro prazer. Pois saiba que esse promissor escalador de 29 anos já traz na bagagem façanhas que o colocam na lista dos mais experientes montanhistas de sua geração.

Brasileiro “pero no mucho” — nasceu na Argentina, mas se criou aqui —, Maximo é atualmente um dos principais líderes de expedições da empresa norte-americana Summit Climb, cuja ousada agenda oferece desafios casca-grossa nas principais cordilheiras do planeta. No currículo de Max, como é conhecido pelos mais próximos, estão ascensões no Cho Oyu (8.201 metros, Tibete), Ama Dablam (6.815 metros, Nepal), Lhotse (8.516 metros, Nepal), Gasherbrum II (8.035 metros, Paquistão), Hidden Peak (8.080 metros, Paquistão), pico Comunismo (7.495 metros, Tajiquistão), pico Korjenevskoya (7.400 metros, Tajiquistão), Mont Blanc (4.800 metros, França), Eiger (3.950 metros, Suíça), Matterhorn (4.470 metros, Suíça) e Aconcágua (6.962 metros, Argentina), além de escaladas invernais nos Andes e paredões técnicos em rocha como o Jebel Ramm (1.800 metros, Jordânia).

Na província argentina de Córdoba, onde morou até os 8 anos, Maximo é considerado um cordobés trucho, algo como um “argentino do Paraguai”, devido à falta de sotaque regional, perdido há décadas. E, no Brasil, onde tem família e viveu a maior parte da vida, também não é visto como 100% “nativo”. Outros fatores peculiares colaboram para que Maximo seja mais conhecido lá fora do que entre nós: além de passar 300 dias por ano morando em campos-base mundo afora, ele é dono de uma personalidade discreta, que não se deslumbra com possíveis aparições na mídia. Por isso não tem assessoria de imprensa para divulgar seus feitos, muito menos sai por aí anunciando projetos mirabolantes em cumes célebres.

Entre os gringos, Maximo é famoso. Já salvou a pele de vários. Participou de resgates no Gasherbrum, Aconcágua, Lhotse, Everest e outras montanhas altas e técnicas. Arriscou a pele em diversos episódios e foi o responsável pelo sucesso das empreitadas pessoais de muitos escaladores americanos e europeus. Seu esforço e talento são devidamente reconhecidos por Dan Mazur, dono e principal líder da Summit Climb. Tendo Dan como seu chefe desde 2005, Max trabalha oito meses por ano guiando clientes em expedições nos Gasherbrum I e II, Cho Oyu, Ama Dablam e outros picos nos Andes, Himalaia e Pamir (Tajiquistão).

Seu ofício consiste em planejar detalhes logísticos,montar acampamentos, contratar carregadores, pautar guias locais, elaborar estratégias de ataque, viabilizar resgates, zelar pela segurança e saúde do grupo e, principalmente, colocar o maior número possível de clientes nos topos almejados em cada temporada. Para isso, ganha de US$ 200 a 500 por dia, dependendo de sua função, autonomia e responsabilidade em cada expedição. “Mas nunca consigo tempo para gastar o dinheiro”, diz, rindo da condição irônica em que se encontra.

Dan Mazur é a principal testemunha dessa competência. “Lealdade, honestidade, força física, perspicácia e a habilidade de aprender rápido são qualidades que me impressionam nele. Hoje confio completamente em Max como meu principal guia”, diz Dan, enfático, respondendo sobre o que o levou a contratar o jovem sul-americano.

PARA MAX, TUDO COMEÇOU nos anos de 1990 em Itatiba, no interior paulista, onde ainda vivem sua mãe e a maioria dos amigos. Ali, ele entrou em contato com o montanhismo escalando rochas por brincadeira. Após evoluir a técnica de forma autodidata, esgotou as possibilidades nos boulders espalhados pela zona rural do município. Aos 16 anos, conheceu Pedro Hauck, seu parceiro de muitas escaladas nos Andes e atual diretor dos sites altamontanha.com e gentedemontanha. com.br, onde os dois amigos publicam relatos longos e detalhados sobre suas investidas. Também produz conteúdo para o site rumos.net, onde cataloga dados de GPS coletados em suas escaladas desde 2003.

Aos 19 anos, Maximo bateu a cabeça com força no meio fio em um acidente de bike. Apesar de usar capacete, o impacto lhe causou um sério inchamento cerebral. O médico do pronto-atendimento informou que, a partir daquela data, ele não poderia mais mergulhar, voar, escalar, saltar de paraquedas ou fazer qualquer atividade que envolvesse variações de pressão atmosférica. Mas o doutor foi ignorado solenemente, e no ano seguinte Maximo estava no topo do Aconcágua.

Depois de se jogar no mundo aos 20 anos, sobreviveu e custeou seus hobbies trabalhando temporariamente como instrutor de escalada em gelo indoor em Londres, programador de software para telescópio e na manutenção de linhas de trem no Reino Unido. Trocados economizados, pegou a estrada com orçamento de mochileiro e investiu a grana em escaladas solo em montanhas nos Himalaias e nos Andes. Autônomo e independente, ele não liga em fincar a bandeira no topo — talvez por causa das suas questões com nacionalidade ou por raramente estar na categoria de cliente nas expedições. Mas afirma ter mais afinidade com o Brasil que com a Argentina. “Os argentinos na montanha são mais competitivos e menos solidários que os brasileiros. O ambiente humano aqui é mais acolhedor”, conta.

Apesar de não circular muito pelo meio do alpinismo quando está em terras brasileiras, Maximo conhece e respeita a história das principais figuras da escalada no Brasil, como Bito Meyer, Alexandre Portela, Eliseu Frechou, Sergio Tartari, Silvério Nery e Maurício Clauzet. Este último o viu em ação no Ama Dablam, durante uma temporada em que Maximo trabalhou na instalação das cordas que ajudaram seus 12 clientes e mais todos os outros escaladores que fizeram o cume dessa montanha técnica e perigosa do Nepal na primavera de 2010.

Com pai e mãe portenhos e família de origem alemã Maximo não tem laços com um lugar, namorada ou bens. O espírito competitivo é zero, e os pertences cabem numa mochila das terras baixas, Maximo garante que nenhum antepassado seu jamais se interessou por montanhas. Seu pai trabalhava com gasodutos, e a vida no Brasil teve um caráter itinerante, com passagens por Volta Redonda, Mogi das Cruzes, Teresópolis e Itatiba, onde afirma ter planos de morar quando chegar o dia de tirar o pé do acelerador e se estabelecer em um endereço fixo.

MAXIMO JÁ VIU A MORTE DE PERTO algumas vezes. Descendo do Gasherbrum I, a 6.400 metros, sofreu uma queda violenta de 12 metros em uma greta que, de tão forte, quebrou seu capacete. Na sulamericana Cordillera Blanca, durante uma escalada em gelo e neve, caiu dentro de uma greta, de onde rastejou por dois dias até conseguir uma mula para levá-lo ao vilarejo peruano de Cachapampa. Dois de seus clientes já faleceram durante expedições e, nas enchentes que assolavam o norte do Paquistão em julho de 2010, Maximo teve de ser evacuado em um helicóptero da ONU. No mesmo ano, sofreu um derrame de retina durante uma escalada no Tajiquistão, o que lhe tirou 40% da visão do olho esquerdo. Mas a morte rondando as encruzilhadas não assusta o jovem montanhista. Apesar dos percalços, Maximo está sempre pronto para a próxima e segue carregando sua mochila de 50 quilos morro acima, ciente de que um dia sua coluna vertebral irá pagar o ônus do excesso de bagagem. Há dez anos não tem laços com um lugar nem namorada fixa ou bens em seu nome. Seu espírito competitivo é zero, e todos os seus pertences cabem numa mochila cargueira — onde não pode faltar uma cuia de chimarrão com mate de Missiones, na Argentina.

Fora o alpinismo, nunca desenvolveu interesse por outros esportes. E, diz, jamais partiu em uma expedição com a motivação cega de chegar ao topo. Claro que a busca por desafios técnicos e a eterna superação dos próprios limites também figuram na lista de suas prioridades. Mas conta, sem pestanejar, que “cume é bônus”. Na vida desse escalador, o destino final nunca foi o grande objetivo. Para ele, é sempre a jornada e o prazer de se estar numa montanha o que realmente fazem tudo valer a pena.

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